segunda-feira, 30 de novembro de 2009

Um acordeão e um violão...

Sentada no sofá velho da sala de espera, aguardo, ansiosa, minha segunda aula de violão começar. Ao meu lado, um senhor – igualmente ansioso – também está à espera de algo que ainda não sei o que é. Em minha mente criativa, imagino que tal homem, com paciência e devoção, aguarda quem sabe um neto terminar sua aula para, gentilmente, levá-lo de volta para casa.

Enquanto os minutos passam, o silêncio é quebrado pelo som vindo de uma das salas, uma voz de adolescente cantando uma música qualquer. Ouço a voz daquele senhor se dirigindo a mim. Faz calor, e aquela voz de gente idosa torna a cena ainda mais monótona e cansativa.

Ele me fala como se me conhecesse há muito tempo, como se eu também fosse sua neta ou algo assim. Ele me fala como quem diz algo muito importante a alguém, e fala como se realmente soubesse exatamente o que quer dizer. Fala com voz de gente que já viveu muito, mas que, de algum modo, ainda deseja viver muito mais.

Ele me fala sobre a música. Sobre o acordeão que comprou há poucos meses, sobre seu sonho de tocar tal instrumento. Sonho que persistiu por décadas, que sobreviveu à época de seus filhos e netos, de sua infância numa chácara. Sobreviveu, inclusive, à desilusão de perder toda uma herança, de não sei quantos mil hectares de terra – deixados por sua mãe – e que foram tomados dele por algum mercenário desse mundo injusto.

“Tenho duas paixões nessa vida: a música e a lei”,
é o que ele repete duas ou mais vezes, com olhos que não olham para mim, mas que enxergam algo que eu não posso ver. Por terem passado a perna nele e por terem roubado toda sua herança, ele aprendeu uma lição que muitos até hoje não tiveram a capacidade de aprender. Ele passou a se interessar por algo que quase ninguém ousa querer saber: ele foi ler sobre as leis, conhecer seus direitos, para que nunca mais se sentisse lesado ou enganado.

E é assim até hoje. Pelas suas rugas profundas, acredito que o senhor tenha lá seus 70 e tantos anos, provavelmente muito bem vividos e aproveitados. Ele me conta que tem uma filha advogada e que ama conversar com ela sobre esses assuntos que a maioria detesta. E ainda me dá um conselho: para que eu leia o Código Civil e que entenda também as outras leis que me serão úteis num futuro bem próximo.

Ele tem outras duas filhas, uma engenheira e uma que começou três faculdades e não terminou nenhuma. Essa se casou e hoje já não importa se fez faculdade ou não. O senhor ao meu lado volta a falar da música e eu posso jurar que quase vejo nele um pouco do que eu também sinto.

Assim como o violão é para mim, o acordeão é para ele. Eu, aos 22 anos, ele, aos mais de 70. Ambos estamos ali naquela sala porque nos apaixonamos por algo e quisemos tornar nossos sonhos realidade. Assim como eu, ele também anda achando mais difícil do que imaginava, mas peço para que ele não desista... não quero que ele desista simplesmente porque de repente eu gosto daquele senhor, gosto do seu acordeão que nem cheguei a ver - ou a tocar - e gosto, principalmente, daquela vontade que ele tem de aprender algo novo, mesmo estando já um bocado velho...

Insisto para que ele não desista e, ao mesmo tempo, insisto a mim mesma para que também não desista. Se ele pode, eu também posso, é nisso que penso enquanto meu bom velhinho é chamado para começar sua aula e eu lhe desejo boa sorte.

Uns minutos depois, ouço um som tomar forma e cor. Imagino aquelas mãos velhas e cansadas empurrando e puxando um instrumento que nem sei como se toca. Ouço uma música tão bem tocada que quase me sinto enganada: ele não toca mal, ele só é muito modesto mesmo. É a sua décima aula e ele já toca bem o bastante para que eu comece a gostar de escutá-lo.

Posso jurar que teria chorado se não estivesse tão calor! Aquela música, aquele senhor sem nome, aquele sonho tão inocente e tão real... Sei lá, ele me fez sentir mais gente nessa tarde, mesmo não sabendo exatamente o porquê.

É a vez da minha aula começar. Minha espera terminou, então eu pego meu violão e dou mais um passo rumo à minha paixão pela música. Penso naquele senhor e seu acordeão, penso que, se tiver sorte, na semana que vem, no mesmo lugar e no mesmo horário, eu terei de novo outra oportunidade de aprender algo com alguém que sabe tanto.

Ainda penso nisso, naquela música, naquele homem. Não sei explicar, só sei que, durante nossa vida, alguns momentos inesperados acontecem e você não sabe muito bem o que fazer com eles. Não sabe se os guarda em algum lugar da memória, não sabe o que realmente aprendeu com eles, só sabe que foram momentos especiais e únicos e que, de alguma maneira, eles mudaram seu futuro para sempre. Eles te ajudaram a definir a pessoa que você será no dia seguinte e contribuíram para que você entendesse mais do que a vida é feita, do que habita o mundo.

Foi assim comigo nessa tarde. Um velho sentado ao meu lado, numa sala de espera em uma tarde quente de primavera, me fez ver algo que eu não via há muito tempo, ou talvez algo que eu nunca cheguei a enxergar.

Foi bonito, foi mágico e foi para sempre, mesmo que tenha durado apenas alguns instantes...

2 comentários:

  1. Miga, mas é inspira messsssssmo!! Ainda bem que tive a sorte de poder fazer o livro com você!
    beijos

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  2. tu invento metade neh??
    huahuahuahua
    to brincando...show de bola
    conesegui imaginar perfeitamente a cena
    mas acredito que tu tornou ela bem mais intensa do que talvez tenha sido na hora!!
    e falando nisso tais me devendo um video...e to esperando ele
    =)
    beijo :****

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